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Missão Jesuítica de São José de Boroma
2012 | Boroma, Tete, Moçambique
introdução
O presente trabalho representa a proposta arquitetônica para a reabilitação do complexo da Missão de São José de Boroma, em Tete, Moçambique, conjunto arquitetônico do final do século XIX, de reconhecido valor histórico e cultural, devidamente arrolado como bem patrimonial de interesse de preservação. Trata-se de um complexo de expressivo significado histórico na escala local, regional e nacional com reais possibilidades de reabilitação e utilização de maneira a reafirmar sua importância e singularidade no desenvolvimento sociocultural de Moçambique nessas várias escalas.
A proposta funcional apoia-se em três eixos: Educação, Cultura e Patrimônio com vistas para o desenvolvimento local e regional. Os edifícios existentes, embora apresentem estado precário de utilização e avançada degradação decorrente de prolongada insuficiência de manutenção e conservação, além da insuficiência da infraestrutura e acessos, mantém reais possibilidades de recuperação tendo em vista que, com exceção da Antiga Escola dos Meninos, nenhuma construção apresentou sérios riscos estruturais.
critérios de intervenção
Na formulação desta proposta foram observados critérios gerais de intervenção em bens culturais estabelecidos pelas convenções internacionais, especialmente a Carta de Veneza, documento base do ICOMOS, bem como na legislação de Moçambique.
Sob o aspecto arquitetônico, o critério principal é o da menor intervenção com o mais amplo resultado possível, o que implica em conservação cuidadosa e criteriosa, retirando alguns elementos existentes e adicionando novos a fim de estruturar um novo programa e novas relações espaciais que representem o anseio da reabilitação e da renovação.
A partir dessas considerações iniciais, estabelecemos alguns critérios mais específicos:
1. Reconhecimento do valor dos edifícios enquanto patrimônio cultural e o interesse na sua preservação e utilização reintegrando-os ao tempo presente;
2. Compreensão da estrutura espacial atual determinada historicamente pela lógica da organização física e organizacional da missão jesuítica estruturada pelo eixo longitudinal norte e sul da implantação;
3. Proposição de alguns elementos para inovar a utilização do espaço e favorecer a compreensão e o reconhecimento da paisagem e do lugar;
4. Compreensão do interesse do complexo patrimonial multifuncional - cultural educacional e turístico - depositário de forte significado histórico e simbólico, como indutor do desenvolvimento social.
plano de acesso
O Plano de Aceso se configura a partir do antigo acesso por terra e pelo possível acesso fluvial, prática antiga desativada, atualmente reintegrada aos planos oficiais regionais. O desenho do plano se consolida no encontro desses dois polos de origem ao configurar uma Praça de Acolhimento. A ligação da estrada oficial até esse ponto será realizada pela antiga “alameda” de acesso da Missão, de traçado reto e balizado por velhas árvores.
A Praça de Acolhimento também será ponto de partida para as diversas trilhas definidas pelo estudo arqueológico e que possibilita o reconhecimento da história da ocupação do sítio jesuítico. A partir desse ponto será utilizado o antigo caminho até a entrada principal da Missão Jesuítica. Pelo lado oposto será conservado o acesso que estabelece a ligação do complexo no alto da colina, na sua Praça Central, com o espaço público de esporte e lazer do povoado local.
implantação atual
Ao agrupar determinadas atividades e funções e definir limites formalizados através de muros, o conjunto edificado foi dividido, fisicamente, em duas áreas distintas.
A primeira abriga os edifícios mais emblemáticos e simbólicos, a começar pela igreja de São José e também a Casa dos Padres, a Escola dos Meninos, Internato masculino, oficinas e carpintaria.
Interpretamos com a ala “masculina”. A segunda, que interpretamos como a ala “feminina”, contém a Casa das Irmãs em conjunto com a Escola e o Internato feminino. Estrategicamente, a Enfermaria que atendia a todos foi localizada no limite deste conjunto de edifícios, mas a eles associada pela proximidade e relação funcional através dos pátios de serviço. Todo esse conjunto está localizado nas cotas elevadas da colina, caracterizado por ocupação de forma alongada na direção norte-sul, voltada para ao rio, a leste.
A implantação geral segue essa direção e se organiza, rigorosamente, pelo eixo longitudinal norte-sul num desenvolvimento de, aproximadamente, 400 metros. No sentido transversal, em torno de 100 metros dependendo da configuração das curvas de nível. A área de terreno do conjunto edificado envolve, aproximadamente, 4 ha.
estratégia de intervenção
Reconhecimento de três grupos de edificações historicamente dispostos espacialmente:
1. O primeiro, na área central, com os três edifícios mais simbólicos, a Igreja, a Casa dos Padres e a antiga Escola, agora em ruínas;
2. O segundo, na área localizada na área sul do conjunto, decorrente da ala “feminina”, composto pela Enfermaria, Casa das Irmãs e Internato feminino, Refeitório e uma antiga construção reformada com pequenas salas de aulas;
3. O terceiro, localizado na área norte do conjunto, constituído pelos edifícios escolares (Escola Normal e Escola Agrícola), Carpintaria, Armazém, Oficina e Casa do Diretor;
Esses setores representam a possibilidade de organização dos fluxos diferenciados decorrentes do uso educacional associado à visitação sistemática do turismo e lazer.
setores de uso e ocupação / conjuntos funcionais
setor central
O Setor Central concentra os edifícios mais emblemáticos e marcantes do conjunto, além do seu histórico Acesso Principal, despertando o interesse maior de turismo e visitação externa: Igreja, Museu e Hospedaria; Acesso Principal do conjunto e Apoio aos visitantes (sanitários públicos, primeiros socorros, informações, etc.); turismo, religião e cultura
setor norte
Neste setor ficam concentrados os edifícios ligados às atividades escolares com algumas novas intervenções de ampliação desses programas e suas construções: Escolas Salas de Aulas, Escola Agrícola (aulas práticas, laboratórios e oficina) Carpintaria/Moagem, Curral/Estábulo/Aviário; Estufas, Viveiros de Mudas e Tanques de Piscicultura
setor sul
Este setor assume aspecto mais restrito ao acolher tanto as residências dos estudantes como as dos professores. Porém, na área de ligação com o Setor Central, foram alocados alguns programas de serviços para, dessa forma, provocar um fluxo desejável entre os dois polos da implantação.
Residencial: Residência dos Estudantes (Bloco Masculino e Bloco Feminino), Residência dos Professores, Restaurante/Cozinha, Lavanderia
Serviços: Centro Administrativo (Escolas, Hospedaria e Complexo), Biblioteca/Videoteca, Café e Espaço Expositivo
implantação
Com relação à implantação atual, observou-se que a referência rígida ao eixo longitudinal estabelece várias faixas paralelas de circulação, repetitivas e sem clara hierarquia, consequentemente monótonas e com carência de espaços coletivos de permanência. Em alguns desses caminhos a extraordinária paisagem fica bloqueada pela altura dos remanescentes dos antigos muros. Neste caso a estratégia foi a de requalificar alguns espaços existentes nos interstícios dos edifícios conservados, de tal forma a estabelecer diferenças de escalas além de novas alternativas de circulação e de leitura do ambiente e da paisagem, interna e externa do complexo. Assim, algumas proposições são estruturadoras de uma nova lógica espacial:
1. Praça do Museu: transformação da ruína da Escola dos Meninos em Espaço de Acolhimento e Centro de Referência; a transparência e o acesso pelo espaço livre estabelecido com a igreja devem animar e povoar essa área.
2. Praça da Hospedaria: a liberação da área posterior à Casa dos Padres, transformada em Hospedaria, com a demolição do Refeitório anexo cria nova possibilidade de percursos e permanência num local voltado para a paisagem hoje pouco visível do vale “interno” entre a Missão e a Serra.
3. Praça da Escola: o espaço já generoso entre a Casa dos Padres e a antiga Escola Normal ganha amplitude e define uma praça interna de escala e localização estratégica no complexo e configura claramente um eixo transverso ao realizar a perspectiva visual do rio Zambeze além da já existente para o Vale e a Serra.
4. Praça Mirante do Rio Zambeze: em consequência da cobertura da construção das áreas de Apoio aos Visitantes, o conjunto ganha um novo espaço que possibilita o alargamento da circulação longitudinal na área defronte à Igreja e a Casa dos Padres, novo “estar” coletivo e mirante voltado para o vale do rio Zambeze.
5. Praça Central: o conjunto dos espaços abertos e coletivos de permanência são completados pela Praça do Setor Residencial, espaço já caracterizados desde os primórdios da Missão, e pela Praça Central, grande espaço livre arborizado entre o Setor Sul e o Setor Central, espaço este onde chega o caminho de acesso alternativo que liga o complexo ao espaço público de esporte e educação junto ao povoado local.
6. Novo Percurso da Borda Oeste: aproveitando os vários patamares existentes e definidos por expressivos muros de pedras, desde a Escola até o topo do acesso da Praça Central, estabelece-se e um percurso alternativo ao do eixo central, sucessão de espaços diferenciados e mais controlados, articulado com os vários espaços intersticiais e vista constante para o vale interno e serra.
edifícios existentes
Em sua maioria, os edifícios existentes serão conservados. Alguns, decorrentes do significado e características arquitetônicas, associados aos objetivos funcionais gerais, devem permanecer com o uso original: a Igreja, Escola Normal e Escola Agrícola e Carpintaria. Outros serão conservados pelo seu valor simbólico e potencial de utilização, mas que pela própria transformação histórica já apresentam processo de mudança de uso: Enfermaria, Casa das Irmãs e Casa dos Padres, Salas de Aulas Adaptadas, adequados para os programas da Administração do complexo, Biblioteca/Midiateca, Hospedaria e Exposições/Café, respectivamente.
Outros ainda, considerando suas características construtivas e implantação, podem ser aproveitados. Exigem reformas significativas para se adequarem a novas funções: Alojamentos femininos, Escola de Costura e Refeitório dos Estudantes, adequados para os programas do Restaurante dos Estudantes e Professores, Sala de Vivência estudantil e Residência dos Professores, respectivamente.
Aqueles que são consequências casuísticas e comprometem a implantação sem qualidades construtivas relevantes (oficina mecânica, banheiros coletivos, refeitório anexo à casa dos padres, anexo da enfermaria) serão demolidos no final do processo.
novos edifícios
As novas construções complementam o programa funcional e envolvem as Residências dos Estudantes (2 blocos) no Setor sul, o Centro de Acolhimento e Apoio aos Visitantes, no setor Central, e o edifício de Aulas Práticas e Laboratórios da Escola Agrícola, no setor Norte. Esses edifícios estão implantados de forma integrada com a lógica da ocupação inicial e devem marcar o novo momento do complexo sem, entretanto, gerar estranheza no conjunto. As soluções construtivas devem priorizar a adequação ao clima e ambiente local.
área total final de construção 9.395 m2
ano projeto 2012
área 9.395 m2
arquitetura
Eduardo Colonelli (autor);
Cristina Kim, Fernando Botton, Mayra Rodrigues, Michelle Waisblut, Régis Sugaya, Vito Macchione (colaboradores)
Marcelo Anaf (estagiário)
paisagismo
Toledo Piza Arquitetura Paisagística
Arquiteto Plínio de Toledo Piza
instalações
MBM Engenharia
Engenheiro Antônio Cláudio Muylaert
Rua São Vicente de Paulo 95 cj 124 | Santa Cecília | CEP 01229-010 | São Paulo SP Brasil | epaulistano@epaulistano.com.br